terça-feira, 3 de março de 2015

Viagem de estudos - fatos e relatos

A ESCOLA DO FUTURO

Sou um cara feliz. E felizardo! Sou professor de Matemática e trabalho com pessoas sonhadoras que, assim como eu, acreditam que a educação pode melhorar o mundo. Pena que nem todos os professores vivenciem a experiência transformadora pela qual eu e meus colegas estamos passando. Quem me conhece sabe de qual colégio estou falando. Não vou citar o nome do colégio (nem da rede) aqui porque não tenho autorização para isso. Apesar de que tudo que será relatado aqui é verdadeiro e só reforça a ótima imagem da instituição na qual eu trabalho.

Desde 2011, a rede da qual sou colaborador passa por uma mudança bastante interessante. Estão todos preocupados com o rumo da educação. Não queremos (e nem podemos) mais ver crianças nas ruas, jovens desmotivados e nas drogas, adultos analfabetos funcionais, profissionais medíocres, pais que não conseguem educar seus filhos (pois não são educados), pessoas corruptas (que acabam elegendo políticos iguais a elas)... A preocupação é grande. E a responsabilidade também.

Não gosto de falar em "culpa". Prefiro falar em "responsabilidade". A culpa "encerra" a discussão, já a responsabilidade "inicia" tudo. Por isso, digo que a responsabilidade pela mudança é grande e é de toda a sociedade. E nós, enquanto rede de ensino, estamos assumindo a nossa parte e propondo uma mudança. Dentro do nosso ofício, a educação, nós vamos inovar. Não falamos de renovação. Não falamos de novidade. Falamos em inovação.

E, dentro da educação, o que é inovar? É trazer, para o estudante, significado para tudo o que ele aprende. E isso, nos dias atuais, é fundamental. Sempre foi! Mas, atualmente, isso é ainda mais urgente. Hoje, no Brasil, o adolescente conclui o Ensino Médio e consegue calcular área, volume, número de vértices, arestas e faces de qualquer poliedro regular. Mais ainda, com um terceiro ano bem feitinho, o estudante sabe até operar com números complexos!!! Isso não é o máximo? Claro que é!!! Quem aqui sobreviveria sem saber calcular os zeros de uma equação do segundo grau? Sem saber calcular a hora no fuso horário do glorioso Toquelau? Sem saber o que é e para que serve o Diagrama de Linus Pauling? Hein?

Bom, ironias à parte, tudo o que citei no parágrafo anterior (e muito mais) faz parte da grade curricular da maioria das escolas. E a gente obriga a criança a aprender isso tudo. E aqueles que não querem aprender o que a gente está ensinando, a gente faz repetir o ano! Até que eles queiram aprender aquilo tudo. O estudante, que não é bobo, logo percebe que isso não serve pra NADA em sua vida. O que ele faz? Estuda um ou dias antes da prova (de recuperação) e consegue tirar a nota suficiente para passar de ano. E assim segue sua vida escolar. Até sair da faculdade. E cair no mundo real. Uns ainda conseguem ir pra vida de verdade antes. E são felizes.

É útil saber o que as escolas querem ensinar? Claro que é! Mas será que TUDO o que a escola ensina é útil para TODOS os estudantes? E essa pergunta está aberta, gente! Não estou aqui dizendo que a escola tem que parar de ensinar essas coisas. Longe de mim. Só quero falar de inovação. Mas antes, quero levantar alguns questionamentos que me fizeram perceber a necessidade de mudança.

Retomando o raciocínio. O estudante do terceiro ano sai dali sabendo aquele monte de coisa. Aí ele arruma um emprego. Recebe seu primeiro salário. E ele não sabe em qual banco é melhor colocar seu dinheiro. Ele não sabe escolher, de modo racional, o melhor investimento pra ele. Isso é triste!

E pode ser pior!

Digamos que o estudante queira abrir sua própria empresa logo ao sair do Ensino Médio. Ele sabe o que precisa ser feito? Quem ensinou isso pra ele? Quem ensinou as coisas que a vida real vai cobrar? Foi o colégio? Ou foram os pais? Ah, eu falei que o estudante arrumou um emprego. Ele sabe montar seu currículo? Ele sabe como se portar em uma entrevista de emprego? Ele sabe fazer uma pesquisa de mercado para analisar as oportunidades que estão sendo oferecidas?

O que estou querendo dizer? Quero tentar mostrar que a escola atual ensina as mesmas coisas de sempre sem pensar nos motivos de ensinar as mesmas coisas de sempre. Meus avós estudaram o que eu estou estudando hoje. A diferença é que os professores do meus avós usavam quadro negro e giz. Hoje, nós professores, usamos uma caneta que escreve numa lousa digital. E dizemos que somos inovadores. Não sou professor de história, mas sei que há uns 500 anos, os padres ficavam em pé catequizando os índios que ficavam ali sentadinhos escutando o padre falar. São 500 anos! Talvez não tenha mais um padre de pé falando e um monte de índio sentado escutando. Talvez. Pode ser que o padre tenha virado o professor de hoje e os índios sejam nossos alunos. Sei lá, pode ser...

Qualquer empresa que pare no tempo (e fique 500 anos estagnada) vai ser superada, ultrapassada e fatalmente vai acabar falindo. A escola no Brasil, enquanto instituição, está imóvel há 500 anos. (Tá, calma, sei que existem exceções. Estou generalizando aqui, ok?). A cada dia, mais estudantes apresentam dificuldade de aprender (transtorno disso, déficit daquilo...). Será que a humanidade está à beira de um colapso? Todas as crianças vão ter dificuldade pra captar as coisas que a gente os obriga a aprender? Ou será que a gurizada está deixando BEM CLARO pra gente que essa lista de conteúdos que a gente vem ensinando de geração em geração não é mais útil para eles?

Tive contato com essa reflexão toda (muito mais aprofundada) em momentos oferecidos pela instituição onde trabalho. Todas essas perguntas (e muitas outras) foram fazendo com que eu repensasse essa coisa de obrigar as crianças a aprenderem o que eu quero ensinar, mesmo sabendo que essas coisas são inúteis para ela. Ah, e não me venham falar de vestibular ou de Enem, ok? Não acho sensato deixar uma pessoa no colégio dos 6 aos 16 anos  pra depois perguntar pra ela, em 2 ou 3 DIAS de prova, o que ela aprendeu nesses mais de 10 anos. Imagina a motivação de uma pessoa? "Estuda isso que eu tô ensinando porque vai cair no vestibular". E se a pessoa disser que não quer fazer vestibular? Deu! Ela não precisa mais ir à escola?

Alguém pode questionar os exemplos que citei até aqui. Talvez não tenham sido os melhores, tudo bem, mas espero que a ideia principal desse texto tenha ficado clara. Se todos entenderem o que quis dizer até então, as palavras que seguem farão muito mais sentido. Espero.

Vamos falar, finalmente, de inovação? É bem difícil inovar! Para inovar, a gente precisa ter a convicção de que escola não é lugar de ensinar apenas conteúdos. Para inovar, a gente precisa se desprender de conceitos antiquados que a gente carrega. Para inovar, a gente precisa entender que os estudantes de hoje são diferentes dos estudantes que nós fomos. Para inovar nossas práticas, é preciso inovar nossas ideias. Para inovar em sala de aula, é necessário inovar na nossa vida. Para inovar é preciso trabalhar em equipe. Precisamos ensinar em equipe. Precisamos aprender em equipe. Inovação não se faz "da boca pra fora", e sim lá dentro de nós. Por isso é que inovar torna-se algo tão complicado. Porque não é simplesmente fazer uma aula diferente para ensinar as mesmas coisas de sempre. Não é "mascarar" aquele projeto que a gente fazia e aproveitá-lo com uma nova roupagem. Quando ouço algum professor dizendo "isso eu já faço" ou "isso eu já fiz", sempre tento me acalmar. Muito. Porque nem todo mundo quer fazer inovação. A maioria dos professores quer, no máximo, fazer uma novidade. Porque é mais fácil dizer que já faz ou que já fez do que dizer "vamos fazer".




Esse projeto começou em 2014, lá por outubro, quando sentamos eu (professor Gustavo Rodrigues - Matemática) e o professor Luciano Pedroso (de Biologia). Conversamos brevemente sobre como seria uma saída de campo "ideal" (na nossa visão). E então começamos a rascunhar o projeto. Enviamos o material para nosso coordenador pedagógico (Anderson) e ele nos deu carta branca para tocarmos a ideia adiante.
Em muitas conversas (geralmente informais, durante o recreio ou pelos corredores do colégio) fomos ouvindo outros professores para conseguirmos montar um projeto que fosse idealizado pelo maior número possível de colegas. A correria do colégio no final de ano fez com que a gente engavetasse a ideia. Durante a jornada pedagógica de 2015, fomos motivados pelo Anderson a desengavetar o projeto. E assim o fizemos. Mais algumas conversas e arrebanhamos outras duas colegas para encabeçar o trabalho: as professoras Izabel (de Química) e a Marquit (de Geografia). Isso aconteceu no início de fevereiro, ali pelo dia 12 mais ou menos.
Nosso principal objetivo era fazer uma viagem de estudos; mais pra estudar do que para viajar. Pra gente, a viagem serve, principalmente, de motivação ao estudante. Todo o envolvimento, toda a organização ao redor de uma viagem ajuda a criar um clima propício para que o estudante se abra a novos conhecimentos.
Tudo muito bem, tudo muito bonito, mas pra onde viajar? Pra onde levar essa gurizada? Como dar significado aos conteúdos? O que fazer pra linkar sala de aula com "mundo real"? Muitas perguntas, muitas discussões, muita troca de ideias e as respostas começaram, enfim, a surgir. Depois de muitos encontros, conseguimos definir o roteiro: Candelária, Rio Pardo e Pantano Grande, 3 cidades próximas a Santa Cruz e com atrativos interessantes. Os nomes das cidades surgiram a partir das possibilidades encontradas em cada uma delas.
Depois de termos escolhido os locais, a gente precisava ir até cada um deles para preparar as atividades e para, mais precisamente, dar intencionalidade a nossa viagem de estudos. Em nossa primeira saída, fomos a Candelária. O professor Carlos Rodrigues, de forma única, nos acolheu no museu (sim, ele nos acolheu!) e nos deu uma aula de Paleontologia, de História, de Geografia, de Matemática, de Português, de Física, de Química, de Biologia, enfim, foram quase 3 horas de muito conhecimento. Mas, pra mim, o que mais chamou a atenção, foi a PAIXÃO com a qual ele fez seu trabalho. Pra começo de conversa, ele é voluntário no museu. Além disso, o museu é batizado com o nome do pai dele (Aristides Rodrigues), o que mostra que esse amor é de família. Pra finalizar, a dedicação, o zelo e a atenção dedicados pelo Carlos, fizeram com a gente se sentisse bem naquele lugar. Um lugar simples mas com uma riqueza histórica e cultural que nunca vi em outro lugar. Saí de lá com vontade de levar todos os meus estudantes, os meus colegas, meus amigos e minha família pra conhecer o local. Na volta ao colégio eu tive a convicção de que a gente estava fazendo a coisa certa: proporcionando aos estudantes um contato REAL com o conhecimento vivo que nos rodeia.
O tour pela cidade de Rio Pardo a gente achou melhor não fazer, pois todos nós já sabíamos como dar a intencionalidade esperada para o momento. Além disso, a gente temia cortar a criatividade dos estudantes. Como? Daqui a pouco a gente estava tão focado em descobrir perguntas legais, que a gente poderia eliminar a curiosidade deles. Se nossas perguntas são as que "precisam" ser respondidas, onde ficariam as perguntas deles nessa história toda? De Rio Pardo a gente fez questões bastante abrangentes. Talvez até bem complexas. Mas são perguntas que vão iniciar as pesquisas.

O dia de apresentar o projeto ao grupo de professores foi bem interessante. Muitos demonstraram interesse na ideia. Alguns acharam que ia dar muito trabalho. Alguns acharam que não ia dar certo. Alguns ficaram bem empolgados. Nada nos surpreendeu, pois inovar é difícil.





E foi assim que a gente definiu a viagem.
SEXTA
7h30 – Santa Cruz – Candelária
8h30 – Museu (2 horas)
10h30 – Aqueduto (1 hora e meia)
12hs – Almoço (1 hora)
13hs – Candelária – Rio Pardo
14hs – City Tour Rio Pardo (5 horas)
19hs – Rio Pardo – Pantano Grande
21hs – Após o jantar, dinâmica (pastoral) e música.
22h30 – Horário de silêncio
SÁBADO
6hs – Despertar
6h30 – Café da manhã
7h30 – Arvorismo (4 horas)
11h30 – Pantano Grande – Santa Cruz

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